27 de setembro de 2012

MPF ajuíza nova ação contra programa de TV, “Correio Verdade” na Paraíba


De acordo com o STF, o programa é exibido em horário inadequado (ao meio dia


O Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, requerendo que a Justiça determine à TV Correio que exiba o programa 'Correio Verdade' somente após as 22h, em razão do conteúdo do programa ser inadequado para crianças e adolescentes. A ação foi ajuizada em 19 de setembro de 2012 contra a União, estado da Paraíba, Empresa de Televisão João Pessoa Ltda (TV Correio) e Samuel de Paiva Henrique (Samuka Duarte), apresentador do referido programa.

Na ação, o MPF questiona a ofensa à honra e à imagem de pessoas detidas – em situações de suspeita ou de flagrante; a exibição corriqueira de imagens não autorizadas de menores apreendidos em situação infracional, os quais são submetidos, com a conivência de policiais, a entrevistas vexatórias; a veiculação do programa em horário totalmente inadequado (ao meio dia); a exposição dos telespectadores, em sua maioria, jovens e adolescentes, ao material impróprio exibido e a ausência de classificação do programa, pela União, diante de seu verdadeiro conteúdo – show de auditório com ênfase em temas de violência e policiais - ao horário em que são exibidos.

O Ministério Público Federal descreve o programa como “um incomparável show diurno de bestialidade, de banalização da violência, de corpos esquartejados, de exibição de presos e escárnio de detidos, especialmente menores de idade”, sempre com a conivência de autoridades policiais estaduais, “que fornecem a matéria prima humana para este espetáculo grotesco: presos e detidos, especialmente menores, das camadas mais pobres da população, que em seguida são publicamente submetidos a um tratamento indigno e degradante, como se nem fossem humanos”.

Programa de auditório - O MPF pede que a Justiça determine à União que fiscalize, por meio do Ministério da Justiça, em 30 dias, a partir da concessão da liminar, o cumprimento da Portaria MJ nº 1.220/2007, enquadrando o 'Correio Verdade' como Programa de Auditório ou Show de Variedades Policiais com ênfase na violência e na sexualidade, portanto, sujeito à classificação indicativa, e estabelecendo os horários adequados à sua exibição. Além disso, pede-se que a União realize gravação diária do programa, apresente relatórios mensais ao Ministério Público Federal e instaure procedimento administrativo para aplicação das penalidades previstas na legislação em razão dos fatos relatados.

A ação traz relatório do Ministério da Justiça o qual constatou, em monitoramento, que o programa 'Correio Verdade' “tem como temática central a investigação criminal e possui inadequações de violência e drogas que fariam, caso fosse passível de classificação, ser não recomendado para menores de 14 anos, com exibição apenas após às 21 horas”. No entanto, o Ministério da Justiça informou da impossibilidade de inserir o 'Correio Verdade' nos programas que se sujeitam à classificação indicativa, por enquadrá-lo na categoria de jornalismo, o que é considerado um entendimento errôneo pelo MPF.

Para o Ministério Público, o 'Correio Verdade' não pode ser considerado um programa noticioso, mas sim um verdadeiro programa de auditório. “É o que se verifica, quando, por exemplo, Samuka atrai público em suas apresentações dos sábados, chama crianças ao vivo, anuncia patrocinadores etc; algo inusitado em programas policiais, mesmo naqueles que se dedicam ao pseudojornalismo”.

Cadáveres e mutilações - Pede-se também que a Justiça determine que a TV Correio seja proibida de “exibir em horário matutino ou vespertino, em quaisquer programas policiais ou noticiosos por ela gerados, cadáveres, mutilações, mesmo com 'desenfoque', ou cenas de forte teor de violência ou de conteúdo sexual, em qualquer situação, bem como seja proibida de fazer uso de linguagem chula, depreciativa e de exibir cenas envolvendo situações constrangedoras ou humilhantes em relação a presos, suspeitos, mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiências, crianças e adolescentes, gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, migrantes e imigrantes, dentre outros”.

Ainda nos pedidos liminares, o Ministério Público Federal enumerou uma série de providências a serem determinadas à TV Correio e ao apresentador Samuka Duarte, como não exibir pessoas sob custódia policial sem obter autorização, por escrito e devidamente formalizada, do próprio entrevistado, advogado, defensor público ou membro do Ministério Público ou do Poder Judiciário. A TV e o apresentador devem manter controle dessas autorizações e apresentá-las ao MPF de trinta em trinta dias, apresentando mídias eletrônicas com a gravação de seus programas policiais devidamente degravados por entidade independente.

Outras providências são não exibir custodiados em trajes que possam denegrir sua dignidade; não expor os detidos ou vítimas ao escárnio, menosprezo, deboche, cantorias ou efeitos visuais degradantes ou a quaisquer outras formas de aviltamento ou rebaixamento da dignidade da pessoa humana; em casos que envolvam disputas domésticas ou familiares abster-se de expressar manifestações depreciativas, que possam contribuir para a desagregação dos laços familiares entre cônjuges, pais e filhos ou demais parentes; em casos de crianças e adolescentes, aos quais se atribuam a prática de ato infracional, abster-se de filmar, fotografar ou entrevistar, a menos que haja autorização expressa e específica da Vara de Infância e Juventude.

Omissão da Seds - Além disso, o MPF pediu que a Justiça também determine ao estado da Paraíba que cumpra a Portaria nº 60/2011 emitida pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), alertando todas as autoridades policiais, civis e militares para a proibição de imagens e entrevistas com menores e adolescentes, além da necessidade de autorização por escrito do detido, ou do seu advogado, para conceder entrevistas em qualquer programa policial de qualquer emissora, bem como para que impeçam quaisquer ofensas tentadas ou cometidas por repórteres contra presos detidos, impedindo, inclusive a filmagem e entrevistas quando inexistir a expressa autorização. Devem os policiais ainda se abster de emitir opiniões degradantes ou revelar dados sigilosos da apuração e, quando ocorrer descumprimento da referida portaria, a Seds deve instaurar procedimentos administrativos disciplinares para cada caso.

Apesar de duas recomendações do Ministério Público à Secretaria de Defesa Social e de duas portarias emitidas pela própria Secretaria, proibindo terminantemente e definitivamente a exibição de presos, constatou-se que as imagens e entrevistas até se intensificaram. “Nunca houve o menor esforço da Secretaria em frear a instauração de qualquer sindicância, mesmo em casos denunciados com provas pelo Ministério Público”. Para o MPF, “a omissão da Seds sempre foi a regra geral; é como se houvesse um consenso na administração de que nada daquilo era para valer”.

Degravações – O MPF mostra que a degravação de diversas exibições do 'Correio Verdade', realizadas pelo Ministério da Justiça, demonstra a total impropriedade do programa para o horário em que é exibido, suas características de show de auditório e não de verdadeiro noticioso policial. Linguajar chulo, menção explícita de órgãos sexuais, indução à violência, exibição de corpos mutilados, humilhação de crianças e adolescentes em conflito com a lei, são o “cardápio” corrente do Correio Verdade, exibido para toda Paraíba no horário do almoço. O programa, em determinadas ocasiões, é assistido ao vivo por crianças, que interagem com o apresentador, que chega inclusive a, em meio ao show, induzir o consumo de produtos patrocinados.

Exibições vexatórias - Para o procurador da República Duciran Farena, que subscreve a ação, o aspecto mais revoltante do programa é que as entrevistas vexatórias, o deboche, a indução à confissão de crimes, ocorrem sempre com pessoas miseráveis e completamente desvalidas. “Nunca se viu, nem se verá, no 'Correio Verdade', seus apresentadores entrevistarem um jovem ou adolescente de família de recursos envolvido com drogas ou outros crimes, chamando-o de “mô fi” perguntando se estava drogado, bêbado, ou se já havia matado muita gente. Estes têm condições de contratarem advogados, e sequer suas imagens são exibidas, por mais repercussão que tenha tido o fato. A clientela da humilhação no 'Correio Verdade' é invariavelmente a pobreza".

O procurador ainda destaca que o programa influencia negativamente as crianças associando pobreza à violência, "porque só pobres são ali exibidos, além de estimular a criminalidade, pois alguns menores, sem consciência do que estão fazendo, até vangloriam-se no ar de seus feitos, obtendo uma “fama” no mundo do crime que certamente atrairá seguidores”, e acrescenta “nada disso ocorreria, se não houvesse a conivência das autoridades policiais. Quando é um rico, ele é protegido pela própria polícia de exibições ou entrevistas. Já os pobres são entregues algemados à sanha destes entrevistadores”.

Campanha educativa – Nos pedidos definitivos, o Ministério Público pede que a Justiça determine que a TV Correio exiba, a título de contrapropaganda, programa ou campanha de promoção dos direitos das crianças e adolescentes infratores e vítimas da violência, indicado pelo Ministério Público Federal, com custo total equivalente ao faturamento anual do programa 'Correio Verdade'. Para isso, deverão ser consultados os órgãos públicos de defesa da infância e juventude.

Pede-se também que a Justiça Federal reconheça a procedência da ação e converta em definitiva a antecipação de tutela requerida, além de decretar a cassação da concessão da TV Correio para executar do serviço de radiodifusão de sons e imagens, caso haja persistência da conduta irregular. Pede-se que a empresa e o apresentador sejam condenados a pagar indenização de R$ 10 milhões por dano moral coletivo – valor que deve ser revertido ao Fundo Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente dos municípios de João Pessoa, Cabedelo, Bayeux e Santa Rita.

Multas – Em caso de descumprimento por parte da TV Correio, o Ministério Público Federal pede que a Justiça suspenda imediatamente a exibição do programa 'Correio Verdade' por 15 dias, notificando-se o Ministério das Comunicações para as providências necessárias, além de obrigar a emissora e o apresentador ao pagamento de multa diária, em valor não inferior a R$ 20 mil. Caso o estado da Paraíba descumpra a determinação judicial, o MPF pede que seja determinada aplicação de multa diária em valor também não inferior a R$ 20 mil.

Patrocinadores - O procurador Duciran Farena informou ainda que irá adotar providências com relação aos patrocinadores do programa. Segundo o procurador, “ficou demonstrado, pelas degravações, que inúmeras empresas ajudam a financiar este show com propagandas de produtos. Em uma cena, crianças são convocadas ao palco enquanto o apresentador apregoa as qualidades do “arroz Urbano” no almoço – é o horário em que o programa é exibido. Iremos recomendar a cada patrocinador que suspenda o patrocínio desse programa, pois, como dizia aquele lema de antiga campanha – quem subsidia a baixaria é contra a cidadania”.

Ação Civil Pública nº 0007227-83.2012.4.05.8200, ajuizada em 19 de setembro de 2012, na 3ª Vara da Justiça Federal

Assessoria

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